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Fraude nas cotas

Por William Douglas 15 abr 2017 - 9 min de leitura

Fraude nas cotas

 
por William Douglas

Duas notícias.

Primeiro, copio artigo publicado no Jornal O GLOBO, em 06/08/2016, texto em coautoria minha com o Frei David Santos, líder da Educafro e especialista em ações afirmativas.


COTAS E COMBATE À CORRUPÇÃO

O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão criou novas regras para verificar a veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros ou pardos em concursos. A partir de agora, quem optar por concorrer pelo sistema de cotas raciais passará pela análise de uma comissão que avaliará os “aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato”.

A medida está sendo objeto de muito debate, para o qual queremos contribuir na qualidade de militantes do movimento negro. O foco e o valor maior em discussão são a capacidade de a sociedade combater o problema das fraudes na obtenção do benefício das cotas. Em tempos em que a corrupção, felizmente, se torna cada vez mais abjeta perante a comunidade, temos que acabar com mais essa modalidade que vem apresentando.

O combate ao racismo e à injustiça social é questão de alto grau de complexidade, daí valendo lembrar a lição de H. L. Mencken: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. A autodeclaração foi uma solução simples e que funcionou bem durante algum tempo, mas o transcurso do tempo traz novos desafios. A dinâmica das transformações sociais envelhece algumas soluções, demandando aperfeiçoamentos.

A solução da autodeclaração, prática, rápida e um pouco menos indolor, funcionou até que a consolidação das cotas e as mudanças sociais fizessem com que os “malandros” passassem a se dispor a prestar uma autodeclaração falsa que lhes abrisse as portas das universidades e concursos. E nenhuma sociedade se livra do racismo e da injustiça sem algum tipo de dor.

A sociedade sabe que não é fácil criar políticas afirmativas. Elas são complicadas, porém mais complicado do que não fazer nada é se omitir. Escolhemos a dor menor.

As cotas são polêmicas, muitos brancos e negros são contra elas, outros a favor, e implementá-las bem é doloroso, mas o Congresso Nacional e o STF escolheram a dor do desafio de fazer tais políticas, em lugar da dor de manter o racismo que tolda nossa sociedade.

Nessa mesma toada, temos que lidar com a dor de escolher critérios para identificar quem merece/precisa das cotas, e ir atualizando os modelos sempre que necessário. Nós, particularmente, não nos sentimos muito confortáveis com uma comissão de avaliação racial, mas se temos cotas raciais, esta dor é substancialmente menor do que ver o sistema ser objeto de malandragens e fraudes.

Cada fraudador de cotas tira a vaga de alguém que as merece na forma da lei e, pior, coloca mais um corrupto no serviço público.

Ficou famoso o caso da UnB, em 2012, quando uma banca considerou um gêmeo univitelino negro e outro não. O caso confirma a complexidade do problema, mas não é porque tivemos um erro médico ou judiciário que extinguimos os hospitais ou o Poder Judiciário. O risco de erro sempre existe, mas a comissão vai evitar casos como o do Itamaraty, em que louros de olhos verdes e nipônicos se autodeclararam negros para entrar pelas cotas. E eles têm se multiplicado, colocando em risco a política das cotas e dando oportunidade a corruptos. Nesse cenário, lidar com as dificuldades de uma comissão compensa com larga margem, pois evitaremos as funestas consequências de permitir fraudes e ingresso de corruptos.

Estamos certos de que até aqueles que ainda são contra as cotas irão concordar que, já que se trata de lei considerada constitucional pelo STF, todos devemos trabalhar para que ela seja cumprida, ao invés de ridicularizada. Uma política pública não pode ser pervertida por aqueles que escolhem o caminho fácil da fraude.

Em nota, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial afirmou que a medida “contribui para consolidar as iniciativas do poder público que visam à redução das desigualdades históricas e à promoção da igualdade racial em nosso país” e considerou que “se trata de uma medida legítima e oportuna, que busca direcionar as políticas públicas aos que realmente têm direito a ela”.

Viemos a público dizer que, por nossa experiência de décadas lidando com o problema do racismo, aplaudimos a inovação e a referendamos como positiva.

 

 Segundo, tivemos mais um round no combate às fraudes de um modo geral e, em especial, às fraudes nas cotas. 

Cerca de 60% dos candidatos aprovados pelas cotas para negros do vestibular da Universidade Federal Fluminense (UFF) que compareceram, ontem, ao primeiro dia da averiguação da autenticidade foram, de acordo com a Educafro, excluídos por terem feito declaração falsa. Segundo o Frei David, da Educafro, dos 68 agendados para ontem, 40 foram eliminados. Outros 17 teriam preferido desistir da vaga e só 11 foram aprovados, já que fizeram declarações verdadeiras e, com isso, continuarão concorrendo às cotas para negros.

Eliminar as fraudes é não só dar efetividade às ações afirmativas, mas também um modo de ir educando as pessoas no sentido de que não compensa praticá-las.

O CNMP editou recentemente a Recomendação nº 41, de 9 de agosto de 2016, que determina:

Art. 1º Os membros do Ministério Público brasileiro devem dar especial atenção aos casos de fraude nos sistemas de cotas para acesso às universidades e cargos públicos – nos termos das Leis nos 12.711/2012 e 12.990/2014, bem como da legislação estadual e municipal pertinentes –, atuando para reprimi-los, nos autos de procedimentos instaurados com essa finalidade, e preveni-los, especialmente pela cobrança, junto aos órgãos que realizam os vestibulares e concursos públicos, da previsão, nos respectivos editais, de mecanismos de fiscalização e controle, sobre os quais deve se dar ampla publicidade, a fim de permitir a participação da sociedade civil com vistas à correta implementação dessas ações afirmativas.

Acrescente-se a ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 3, DE 1º/08/ 2016 (DOU de 02/08/2016, Seção 1, pág. 54) , do MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO, que dispõe sobre regras de aferição da veracidade da autodeclaração prestada por candidatos negros para fins do disposto na Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014:

 

O SECRETÁRIO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DO TRABALHO NO SERVIÇO PÚBLICO DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 25 do Decreto nº 8.818, de 21 de julho de 2016, tendo em vista o disposto na Lei 12.990, de 9 de junho de 2014, e considerando a necessidade de orientação aos órgãos e entidades da Administração Pública federal, resolve:

Art. 1º – Estabelecer orientação para aferição da veracidade da informação prestada por candidatos negros, que se declararem pretos ou pardos, para fins do disposto no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 12.990, de 2014.

Art. 2º – Nos editais de concurso público para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União deverão ser abordados os seguintes aspectos:

I – especificar que as informações prestadas no momento da inscrição são de inteira responsabilidade do candidato;

II – prever e detalhar os métodos de verificação da veracidade da autodeclaração, com a indicação de comissão designada para tal fim, com competência deliberativa;

III – informar em que momento, obrigatoriamente antes da homologação do resultado final do concurso público, se dará a verificação da veracidade da autodeclaração; e

IV – prever a possibilidade de recurso para candidatos não considerados pretos ou pardos após decisão da comissão.

1º – As formas e critérios de verificação da veracidade da autodeclaração deverão considerar, tão somente, os aspectos fenotípicos do candidato, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato.

2º – A comissão designada para a verificação da veracidade da autodeclaração deverá ter seus membros distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade.

3º – Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Art. 3º – Concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União em andamento, ou seja, antes da publicação da homologação do resultado final, que não tiverem a previsão da verificação da veracidade da autodeclaração, deverão ter seus editais retificados para atender ao determinado por esta Orientação Normativa.

Art. 4º – Esta Orientação Normativa entra em vigor a partir da data de sua publicação.

 

Antigamente, a autodeclaração resolvia a delicada questão de identificar os beneficiários das cotas. Todavia, os problemas e desafios são mutáveis. O sucesso na aplicação das cotas trouxe consigo a necessidade de evitar que pessoas de má-fé utilizem as cotas sem fazer jus às mesmas. Esses abusos obrigam a sociedade a aperfeiçoar o sistema de validação para alguém obter os benefícios das ações afirmativas e isso faz parte do processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento dessas políticas.

Outro caso recente ocorreu na Universidade Federal de Pelotas, que desligou 24 estudantes de Medicina em virtude de fraudes no sistema de cotas. Agora, a UFF já desde a entrada evita fraudes. Enfim, temos que impedir, me perdoem o termo, a “malandragem”.

Por outro lado, pode haver casos em que a própria pessoa fica na dúvida se tem direito ou não às cotas. Nessas situações, não estamos diante de um fraudador, mas de alguém que, por um ou outro conjunto de características, não quer fraudar, mas também não deseja perder um benefício legal. Daí, um novo passo já é necessário: aperfeiçoar ainda mais o sistema de verificação.

Sabemos que criar esses mecanismos dá trabalho e envolve complexidades várias, mas ainda é melhor fazer isso do que permitir fraudes nas ações afirmativas. Fechar os olhos para as fraudes é mais fácil, mas prejudica as ações afirmativas, reforça a cultura do “jeitinho” desonesto e atrasa a mudança cultural que precisamos: não aceitar a desonestidade. Pior, mal educa, pela omissão, os jovens que se deixam levar pela tentação do caminho mais fácil e ilegítimo.

Por isso, precisamos que a sociedade enfrente o desafio de combater as fraudes, por mais trabalho que isso envolva.

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